Minha
filha não se parece comigo
Fabíola Sperandio Teixeira
Pedagoga – Psicopedagoga
Terapeuta de Família e Casais
Laura foi
muito esperada. Sua mãe, Maria, a desejava e já a imaginava com laços e fitas.
Maria preparou o quarto com muito cuidado. Decorou e organizou um guarda-roupa
recheado de vestidos, acessórios e calçados, contemplando do primeiro mês aos 2
anos de idade. Era uma realização. Um sonho a se concretizar com o nascimento
da pequena.
Laura foi crescendo, mas, desde bebê, rejeitava
os laçarotes e arrancava os brincos. Maria insistia, porém sem muito sucesso.
Aos 2 aninhos, Laura já conseguia retirar os vestidos e jogá-los longe. Laços?
Viravam brinquedos. Brincos? Tirava de sua orelha e virava carga nos carrinhos
do irmão. Sim! Laura tinha um irmão, Pedro. Pedro tinha 5 anos. Um garoto muito
carinhoso e falante.
Pedro hipnotizava Laura com as suas
divertidas histórias e brincadeiras. Eles se davam bem. Só quem não estava bem
era Maria. Maria estava frustrada porque Laura não correspondia aos desejos
dela. Maria tratava Laura como uma boneca. Não entendia a personalidade da
linda menininha.
Laura era doce e muito feminina, no
entanto, era prática e se sentia agoniada com o estilo de roupa e acessórios
que a mãe lhe colocava. Ela queria algo simples e que proporcionasse agilidade
para as brincadeiras. Laura também era encalorada. Tudo lhe dava coceira e irritação.
E Maria só na decepção.
Recebo Maria em minha sala. Uma queixa
sem fim. Não consegue aproveitar a filha do jeito que ela é. Quer impor seus
desejos a qualquer custo. Acolhi. Ouvi. Compreendi. Aquela mãe estava sofrendo.
Eu precisava trazê-la para mim e depois, fazê-la entender o que estava
acontecendo.
Maria, muito vaidosa, queria uma
Mariazinha. Uma miniatura dela. Até brinquei com ela: “Você quer uma réplica,
Maria? Você é única. Laura também. Você é bela assim como é. Laura também é
linda à maneira dela.”
Fui mostrando que a roupa, os laçarotes
ou a ausência deles não iam deixá-la mais menina ou menos menina. Mais doce ou
menos doce. Que não importava a vestimenta, mas o bem-estar da filha com o que
vestia.
Maria chorava. Falava com os olhos vermelhos:
“E os meus sonhos?”. Eu perguntei qual era o sonho dela. Ela me fitou com o
olhar marejado e respondeu: “Ter uma menina!”. Então, você é realizada, Maria.
Respondi prontamente.
Naquele momento, ela deu um salto da
cadeira. Eu até me assustei. Não imaginava o que viria. Maria andou pela minha
sala em silêncio. Eu também fiquei em silêncio. Permiti que ficasse consigo
mesma. Depois, sentou-se. Passou a mão pelos lindos cabelos longos e disse:
“Fabíola, você está querendo me dizer que tenho que aceitar essa filha sem
vaidade e pronto!”.
Ela estava muito brava comigo. Eu
projetei meu corpo mais para perto dela. Estendi a minha mãe até o seu braço e
disse: “Maria, você acha a sua filha sem vaidade ou ela não tem as mesmas
escolhas que você?“. Pensa no silêncio. Um minuto parecia uma hora até que ela
pegou em minha mão e falou: ”Ela não gosta do que eu gosto, mas deveria!!!”.
Rebati: “Deveria por quê? Porque você quer? Porque você manda? Porque é seu
sonho?”.
Maria parecia que tinha andando uns 50 KM
do tanto que estava vermelha e suada. Era a emoção aflorada no físico. Era
importante fazê-la pensar. Não conseguiria ter uma relação próxima à filha se
continuasse a rejeitando pela personalidade apresentada, inicialmente, com a
questão do vestuário.
Conversamos mais um pouco. Maria
precisava amadurecer acerca das reflexões que geramos. Pedi para que fosse
tranquila para casa. Que só procurasse focar não na Laura, mas sim nela mesma.
Tinha que procurar encontrar por que ela estava tão incomodada com isso. Na
próxima sessão, continuaremos. Vou conseguir ver se houve ou não avanços.
Muitas vezes, projetamos sonhos para os
nossos filhos antes mesmo de nascerem. Esses sonhos são nossos e não deles.
Precisamos entender isso. Na próxima semana, trago mais sobre essa história.
Por enquanto, vamos pensar nas nossas histórias com os nossos, baseadas na
linda história de Maria.
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