segunda-feira, 3 de junho de 2019

“Eu vi meu papai judiando da minha mamãe. Eu chorei...” Continuação




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“Eu vi meu papai judiando da minha mamãe. Eu chorei...”
Continuação
Fabiola Sperandio T. do Couto
Pedagoga- Psicopedagoga
Terapeuta de família e Casais


                Cintia (nome fictício) clamou por ajuda. Ajuda a ela e aos pais. Fiz um combinado de chamar seus pais e sensibilizá-los quanto a sua dor e à necessidade de promover mais diálogo entre o casal e consequentemente mais harmonia no lar.
                Convidei os pais. Eles compareceram. Comecei ouvindo se tinham noção dos porquês de estarem comigo. O pai, de cabeça erguida e com um olhar cético, disse que estava ali para ouvir e descobrir. A mãe, muito docemente, disse que acreditava que a filha estivesse com alguma dificuldade e que seriam orientados.  Perguntei como estava a rotina familiar. O pai se apressou em dizer que tudo corria conforme uma família unida e muito feliz. Indaguei o que significava união e felicidade.  E ambos responderam de acordo com suas diferenças. Ali eles já começaram a perceber que o foco seria a família. E que talvez a construção desse conceito tão fechado e ilusório seria desmascarado.
                Voltei meu olhar para mãe. Perguntei-lhe se percebia algo diferente na Cintia. A mãe narrou que a filha passará a semana calada, mais isolada e com muita tristeza no olhar. O pai disse que a filha era mimada e se doía por qualquer coisa.  Naquele momento, pude perceber fala dele, um pai que simplificava muito o sentimento do outro. Como se tudo pudesse ser compreendido e relevado.  A mãe o olhou, reprovando.
                Continuei. Perguntei a eles em que momentos Cintia tinha esse tipo de comportamento. A mãe foi logo dizendo, com muito entusiasmo, que Cintia era alegre, moleca e muito falante. Era preocupada com tudo e com todos, mas que tinha um senso de justiça apurado e era muito “coração”. Doava amor e não esperava retorno, porém desaprovava atos de desamor. O pai a interrompeu e disse que Cintia se parecia muito com a mãe. Doía-se por tudo.  Continuou dizendo que era uma menina pouco sonhadora com o futuro e muito medrosa.
A mãe o interrompem e disse: “Como ela pode ser isso se é uma menina que sempre se manifesta sobre seus planos profissionais e tem uma vidinha organizada entre as tarefas escolares e as atividades extras? Além disso, não compreendo que medo ela tem, pois tem uma garra que poucas da idade demonstram”.         Fui permitindo o diálogo paralelo. Acreditava que era necessário que se conhecessem mais com esse momento.
Quando se cansaram, até suspiraram, comecei a lhes dizer por que estavam comigo. Contei que Cintia estava muito assustada e triste por presenciar um ato de agressão por parte do pai com a mãe. Que não se conformava com isso. Neste momento, o pai se recostou na confortável poltrona e abaixou a cabeça. A mãe tampou o rosto com as mãos. Permiti uns minutos de reflexões internas. Cada um com seu eu.
“Vocês querem falar sobre isso? ”.  Um silêncio interminável. Até que foi interrompido pelo pai. Ele inicia pedindo perdão à mãe. A mãe diz que ele tem que pedir perdão à filha. Eu a interrompo e digo que este momento é dela, que deveria primeiro pensar nela, que foi a agredida, e depois na filha, que presenciou a agressão. Solicitei que o marido continuasse a sua reflexão e o seu pedido. Ele inicia tentando amenizar sua atitude, no entanto, ouvindo a esposa, caiu em si sobre o que havia feito. Eu me colocava ao lado da esposa com a projeção corporal e o olhar para encorajá-la a falar tudo o que até então não conseguia. Via ali uma oportunidade de limpeza de sentimentos e avaliação da relação. Permitir acontecimentos como esse não é saudável. Tinham que entender isso.
A esposa, ao início, muito timidamente, falava de suas dores e insatisfação. O marido parecia assustado com a possibilidade de perdê-la. À medida que ela falava, uma força de tal forma a tomava que a insegurança deu lugar à certeza de que não aceitaria mais uma série de situações que ocorriam entre eles.
Fui mediando e mostrando que aquele momento era um entre muitos que deveriam ter, para prosseguirem juntos e felizes. Mostrei que a única coisa que nos prende a outra pessoa é o amor. E se o amor vai sendo minado por ações desrespeitosas, não restará nada que os faça ficar juntos.
                Depois voltei o foco do encontro para falar sobre a Cintia, nossa protagonista. Falei que deveriam reunir com ela e contar sobre o que ocorreu, sem máscaras, afinal, ela viu e ouviu tudo, posteriormente pedirem perdão a ela.  Agradecer a oportunidade que ela deu a eles quando buscou ajuda, e mostrar, com ações, que querem mesmo estar mudados.
                Disse a eles que nada pode interferir no respeito que um deve ter pelo outro. E que as diferenças não se resolvem com gritos, xingamentos, assédio moral ou agressões físicas.  Diferenças existem para abrilhantar a relação. Devem agradecer por serem diferentes porque os equilibra. Seria muito chato se fossem iguais. Também refletimos sobre o amor que sentiam um pelo outro. E que, no momento, embora o marido afirmava estar feliz na relação (o que tenho minhas dúvidas diante de suas frustrações pessoais), a esposa não estava. Mostrei a eles que devemos cuidar do nosso eu para ter harmonia em nosso, ou seja, impossível ficar bem com o outro se não tratarmos nossas angústias e dores. Propus que pensassem muito sobre isso para não repetirem atitudes que destruam a relação matrimonial e familiar.
                Espero muito que tenha sido o início de uma mudança para esta família linda. Os pais da Cintia são pessoas maravilhosas e merecem se recompor. A mãe deixou muito claro que não permanecerá no casamento caso os combinados, entre eles, não sejam cumpridos. Ela o ama, mas decidiu não permitir atos de desamor do outro ou dela mesma.  Vamos torcer por eles e por nossa querida Cintia.


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