“Eu vi meu papai judiando da minha mamãe. Eu chorei...”
Continuação
Fabiola Sperandio T. do Couto
Pedagoga- Psicopedagoga
Terapeuta de família e Casais
Para
relembrar o caso, acesse https://fabiolasperandiodocouto.blogspot.com/2019/06/eu-vi-meu-papai-judiando-da-minha-mamae_3.html
Cintia
(nome fictício) clamou por ajuda. Ajuda a ela e aos pais. Fiz um combinado de
chamar seus pais e sensibilizá-los quanto a sua dor e à necessidade de promover
mais diálogo entre o casal e consequentemente mais harmonia no lar.
Convidei
os pais. Eles compareceram. Comecei ouvindo se tinham noção dos porquês de
estarem comigo. O pai, de cabeça erguida e com um olhar cético, disse que
estava ali para ouvir e descobrir. A mãe, muito docemente, disse que acreditava
que a filha estivesse com alguma dificuldade e que seriam orientados. Perguntei como estava a rotina familiar. O
pai se apressou em dizer que tudo corria conforme uma família unida e muito
feliz. Indaguei o que significava união e felicidade. E ambos responderam de acordo com suas
diferenças. Ali eles já começaram a
perceber que o foco seria a família. E que talvez a construção desse conceito
tão fechado e ilusório seria desmascarado.
Voltei
meu olhar para mãe. Perguntei-lhe se percebia algo diferente na Cintia. A mãe
narrou que a filha passará a semana calada, mais isolada e com muita tristeza
no olhar. O pai disse que a filha era mimada e se doía por qualquer coisa. Naquele momento, pude perceber fala dele, um
pai que simplificava muito o sentimento do outro. Como se tudo pudesse ser
compreendido e relevado. A mãe o olhou,
reprovando.
Continuei.
Perguntei a eles em que momentos Cintia tinha esse tipo de comportamento. A mãe
foi logo dizendo, com muito entusiasmo, que Cintia era alegre, moleca e muito falante.
Era preocupada com tudo e com todos, mas que tinha um senso de justiça apurado
e era muito “coração”. Doava amor e não esperava retorno, porém desaprovava
atos de desamor. O pai a interrompeu e disse que Cintia se parecia muito com a
mãe. Doía-se por tudo. Continuou dizendo
que era uma menina pouco sonhadora com o futuro e muito medrosa.
A mãe o
interrompem e disse: “Como ela pode ser isso se é uma menina que sempre se
manifesta sobre seus planos profissionais e tem uma vidinha organizada entre as
tarefas escolares e as atividades extras? Além disso, não compreendo que medo
ela tem, pois tem uma garra que poucas da idade demonstram”. Fui
permitindo o diálogo paralelo. Acreditava que era necessário que se conhecessem
mais com esse momento.
Quando se
cansaram, até suspiraram, comecei a lhes dizer por que estavam comigo. Contei
que Cintia estava muito assustada e triste por presenciar um ato de agressão
por parte do pai com a mãe. Que não se conformava com isso. Neste momento, o
pai se recostou na confortável poltrona e abaixou a cabeça. A mãe tampou o
rosto com as mãos. Permiti uns minutos de reflexões internas. Cada um com seu
eu.
“Vocês querem
falar sobre isso? ”. Um silêncio
interminável. Até que foi interrompido pelo pai. Ele inicia pedindo perdão à
mãe. A mãe diz que ele tem que pedir perdão à filha. Eu a interrompo e digo que
este momento é dela, que deveria primeiro pensar nela, que foi a agredida, e
depois na filha, que presenciou a agressão. Solicitei que o marido continuasse
a sua reflexão e o seu pedido. Ele inicia tentando amenizar sua atitude, no
entanto, ouvindo a esposa, caiu em si sobre o que havia feito. Eu me colocava
ao lado da esposa com a projeção corporal e o olhar para encorajá-la a falar
tudo o que até então não conseguia. Via ali uma oportunidade de limpeza de
sentimentos e avaliação da relação. Permitir acontecimentos como esse não é
saudável. Tinham que entender isso.
A esposa, ao
início, muito timidamente, falava de suas dores e insatisfação. O marido
parecia assustado com a possibilidade de perdê-la. À medida que ela falava, uma
força de tal forma a tomava que a insegurança deu lugar à certeza de que não
aceitaria mais uma série de situações que ocorriam entre eles.
Fui mediando e
mostrando que aquele momento era um entre muitos que deveriam ter, para
prosseguirem juntos e felizes. Mostrei que a única coisa que nos prende a outra
pessoa é o amor. E se o amor vai sendo minado por ações desrespeitosas, não
restará nada que os faça ficar juntos.
Depois
voltei o foco do encontro para falar sobre a Cintia, nossa protagonista. Falei
que deveriam reunir com ela e contar sobre o que ocorreu, sem máscaras, afinal,
ela viu e ouviu tudo, posteriormente pedirem perdão a ela. Agradecer a oportunidade que ela deu a eles
quando buscou ajuda, e mostrar, com ações, que querem mesmo estar mudados.
Disse
a eles que nada pode interferir no respeito que um deve ter pelo outro. E que
as diferenças não se resolvem com gritos, xingamentos, assédio moral ou
agressões físicas. Diferenças existem
para abrilhantar a relação. Devem agradecer por serem diferentes porque os
equilibra. Seria muito chato se fossem iguais. Também refletimos sobre o amor
que sentiam um pelo outro. E que, no momento, embora o marido afirmava estar feliz
na relação (o que tenho minhas dúvidas diante de suas frustrações pessoais), a
esposa não estava. Mostrei a eles que devemos cuidar do nosso eu para ter
harmonia em nosso, ou seja, impossível ficar bem com o outro se não tratarmos
nossas angústias e dores. Propus que pensassem muito sobre isso para não
repetirem atitudes que destruam a relação matrimonial e familiar.
Espero
muito que tenha sido o início de uma mudança para esta família linda. Os pais
da Cintia são pessoas maravilhosas e merecem se recompor. A mãe deixou muito
claro que não permanecerá no casamento caso os combinados, entre eles, não
sejam cumpridos. Ela o ama, mas decidiu não permitir atos de desamor do outro
ou dela mesma. Vamos torcer por eles e
por nossa querida Cintia.
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Observação: somente um membro deste blog pode postar um comentário.