“Minha filha falou em suicídio e eu
me apavorei”
Fabíola Sperandio Teixeira do Couto
Pedagoga- Psicopedagoga
Terapeuta de Família e Casais
Tem sido muito
frequente a fala de crianças e adolescentes sobre a descrença com a vida.
Alguns verbalizam com muita tranquilidade, mas a maioria fica introspectiva, e
muda, sutilmente, o comportamento. Mas o que fazer quando seu filho manifesta o
desejo de se matar?
Aline (nome
fictício) mostrava-se quieta e fechada em seu quarto. Sempre com livros por
perto. Parecia, aos olhos dos pais, que estava crescendo, e, nesse
amadurecimento, mais focada nos estudos. Desta forma, os pais “respeitavam”
este momento e a deixavam quieta. Não queriam interromper o que acreditavam ser
apenas dedicação aos estudos. Enquanto
os pais comemoravam a dedicação aos estudos, apenas a deixando quieta em
seu quarto, Aline utilizava os livros espalhados para ter “sossego” e nutrir o
sentimento de descrença com a vida.
Um comportamento alimentando outro.
Este quadro
ilustra muito bem a ausência de diálogo na família. As deduções e a acomodação impediam a busca
da verdade. Pais querendo acreditar que tudo estava muito bem e filha desejosa
pela “privacidade” que permitia estar consigo mesmo, mas, na verdade, sedenta
de ajuda.
E o que nos leva
a este cenário? Bom, cada família com a sua particularidade, porém posso dizer,
mediante ao que me deparo na rotina escolar e de consultório, que estamos
envoltos a um mundo tão sedutor em sua rotina escolar e profissional que estamos
deixando de nos dedicar às necessidades emocionais. Aline estava questionando
se valia a pena estar em um mundo onde as relações eram tão frias e caras.
Frias e caras? O
que significam tais palavras para Aline?
Conversando com ela por mais de três encontros, pude perceber que a
jovem garota de 11 anos estava assustada com a violência do mundo noticiada na
TV e em sua linha de tempo das redes sociais, além de se ver como um peso para
família neste momento de crise financeira.
Aline preocupava-se
com o excesso de trabalho da mãe. Do pai, ela não tem notícia. Cabem à figura
materna a dedicação, a educação, o financeiro. Aline se vê como um peso para
esta mantenedora. Percebia a exaustão da mãe após um dia longo de dupla
jornada. Sentia-se culpada. Começou a nutrir um sentimento que, se deixasse de
existir, a mãe teria mais liberdade para passeios e menos peso financeiro. Este
pensamento começou a dominá-la de tal forma que já passou a pensar como
colocaria fim em sua vida.
Ao trabalhar esta
questão da pequena Aline, pude perceber que ela acreditava que se matar era um
ato de amor à mãe. E que diante de tanta violência retratada pelos noticiários,
seria, também, um alivio para ela ir precocemente e não se arriscar neste
“mundo mau”.
Começamos a falar
abertamente sobre isso. Deixei-a contar sobre seus sentimentos e sobre seus
planos de executar a sua morte. Percebia que a frieza de sua fala inicial foi
indo embora à medida que se sentia ouvida e percebia que eu estava ali
interessada em conhecê-la sem julgá-la.
Tivemos três
encontros para iniciarmos o entendimento do que se passava. Fui percebendo uma
menina amorosa, doce, no entanto, machucada com algumas situações que tão
pequena teve que encarar: separação dos pais; abandono do pai; mudança de
cidade; perda de amigos; nova turma na escola; luta da mãe para manter as
despesas em dia; solidão.
Sem perspectiva,
tive que esvaziar as dores para que coubessem os sonhos. Uma limpeza do passado
e um ajuste no presente para que percebasse que tem um futuro possível. Falamos
sobre sonho. Ela não sabia sonhar. O pé no presente arraigado a impedia de ver
futuro. Então, começamos a faxinar e retirar os pensamentos derrotistas e o
desejo de pôr fim em uma vida que tem tudo para ser brilhante.
Chegou a hora de
conhecer essa mãe guerreira. Precisava fazer o processo de escuta e
esvaziamento dessa mãe para que ela ficasse pronta para lidar com o que eu
tinha para falar. A mãe também precisava de ajuda. Também sofria suas dores e
decepções, porém guerrilhava com a vida. De repente, a mãe diz: “Minha filha
falou em suicídio e eu me apavorei”. Ela sabia dos planos da filha e estava
paralisada.
Após uma acolhida
para entender que era possível fazer mudanças e trazer essa filha para o mundo
real, mas possível, a mãe foi se enchendo de força para se reencontrar com a
sua história. Conversamos longamente sobre o mundo infantil e o mundo do
adulto. Essa criança de 11 anos não precisa saber de tantas coisas da vida
adulta. Essa contaminação estava fazendo com que ela enxergasse a vida como
desinteressante e complicada.
Reunimo-nos as
três. Começamos a projetar um presente e um futuro para essa família. Falamos sobre
férias, estudos, ano novo e vida nova. Colocamos metas. Traçamos planos
individuais e coletivos. O sorriso e os abraços entre mãe e filha surgiam a
cada possibilidade de mudança. Inserimos ferramentas de defesas diante das
tragédias anunciadas pelos noticiários. Incluímos um trabalho voluntário para
que pudessem fazer sentindo na vida de outras pessoas também.
A reunião acabou
e deparo-me com mãe e filha saindo abraçadas.
Fiquei contemplando a saída delas. De repente, Aline deixa a sua mãe e
volta correndo. Abraça-me com tanta força que parecia querer entrar dentro de
mim. Abaixei-me até a altura de seu rosto e, antes que eu pronunciasse algo,
ela falou: “Obrigada. Eu entendi tudo. Nunca mais pensarei como pensava. Eu
aprendi que posso transformar a minha vida e a da minha mãe. Obrigada por me tirar
aquelas coisas que pensava. Eu vou ser diferente porque agora entendi que as
belezas existem, eu insistia em não ver”.
Crianças e
adolescentes precisam ter sonhos. Sonhos a pequeno, médio e longo prazo. Viver
envolvidos om a vida de adultos pode tirar a perspectiva de sonhos se o que se
mostra são apenas as lutas árduas. Adultos pessimistas geram crianças
descrentes com a vida. O que você tem mostrado aos seus pequenos? Que mundo
lhes apresenta? Pensem nisso.
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