Eu vi meu papai judiando da minha mamãe. Eu chorei
Fabiola Sperandio T. do Couto
Pedagoga- Psicopedagoga
Terapeuta de família e Casais
Cintia ( nome
fictício) chega correndo e solta esta frase com os olhos cheios de lágrimas:
“Fabíola, eu vi meu papai judiando da minha mamãe. Eu chorei. ” Eu a abracei
com muito carinho, me abaixei, e olhando em seus olhinhos, disse: “Eu imagino a
sua dor, mas você pode me contar mais de como está se sentindo e o que
aconteceu?”
Cintia
corresponde com o olhar e começa a narrar. Contou-me que está detestando este
mundo tão materialista e acredita que o dinheiro muda os ânimos das pessoas.
Falou muito que o papai dela é um homem bom, mas que, quando apurado por
questões financeiras, se transforma em uma pessoa impaciente e agressiva.
Cintia chora
muito. Ofereço-lhe água e ela
continua. Tão pequena e já tão cheia de
desesperança. Falou-me que a mãe é uma pessoa doce e muito trabalhadora.
Enxerga que houve uma injustiça por parte do pai. De repente, solta a pergunta: “Fabíola, você acha que quem ama pode gritar,
xingar e até bater? Papai disse que ama a mamãe e eu acredito, mas quando ele
fica bravo, ele fica diferente. Por que ele fica bravo? Por quê?”
Continuo
dedicada a ouvi-la. Ela precisava falar. O peito estava cheio de dor e dúvida.
As lágrimas mostravam que estava inconformada com o que presenciou. Cintia
contava detalhes de uma noite sofrida e assustadora. “ Fabíola, eu amo meu pai.
Eu amo a minha mâe. E agora?” Percebi que era isso o que ela queria dizer.
Entendi o que estava sentindo. Arrisquei-me a explicar.
Falei a ela
que, poderia continuar amando os dois. Que o amor pelo papai não precisava
mudar, porém ela não precisava aprovar a sua atitude. Confusa, ele me perguntou
como era isso. Expliquei: “Cintia, quando você faz algo errado, o papai e a
mamãe continuam amando você, mas desaprovam o que você fez. Por exemplo, você
desobedece a eles e eles te corrigem. Pediram para você estudar e não ligar a
televisão. Você não estudou e passou a tarde vendo TV. Eles chegam e lhe dão um
castigo. Neste momento, eles estão bravos com a sua atitude, certo? Mas
continuam te amando. Você está muito triste com a atitude do seu pai, mas não
perdeu o amor por ele. Está magoada e decepcionada. “
“Fabíola, é
isso que sinto. E o que eu faço com isso?” . Vixe! Cintia estava mesmo me
apertando. Como explicar algo tão doloroso e que também não aceito (agressão) a
esta criança de 9 anos? Continuei tentando ajudá-la. Entre um gole de água e
outro, fui fazendo-a falar da cena a que assistiu e da sua dor. Ela ia se esvaziando da dor e do susto e o
esvaziamento ia dando lugar a novos sentimentos.
Peguei um
papel branco e lhe pedi para escrever tudo o que aparecia em sua mente. Cintia
escrevia com muita força. A ponta do lápis quebrou por duas vezes. Eu a
motivava. Ela escrevia. Depois, lhe pedia para ler as palavras. Ela começou a
ler em voz alta e depois silenciou. Lágrimas corriam em seu rosto. Peguei outro
papel. Pedi para que escrevesse coisas alegres que já havia sentido ao lado dos
pais. Ela ficou com o lápis na mão. Paralisou. Entendi. Fiquei em silencio. Dei
o tempo que ela precisava. Até que começou a escrever. Escrevia e seu rosto ia
suavizando.
Quando
terminou, eu pedi para escolher um dos dois papéis. Ela escolheu o das
situações alegres. Perguntei a ela o que poderíamos fazer com o outro papel.
Ela olhou, olhou, o amassou com tanta força. Eu peguei uma folha também e
amacei com força, rasguei, joguei para cima, fiz uma bola e arremessei com
força na lixeira. Ela ia me imitando e sorrindo. De repente estávamos
gargalhando das duas “maluquinhas da folha de papel”.
Nós nos acalmamos.
Sentamos uma na frente da outra. Olho no olho: “Cintia, eu entendo a sua dor.
Dói muito ver quem amamos com atitudes como a que assistiu. Não devemos nos
conformar e muito menos aceitar humilhações, agressões, assédio moral. Entenda que esta cena precisa servir de
aprendizado para que você nunca faça algo assim e nunca permita que alguém faça
com você. Sei que, por mais que você
tenha vontade de dizer algumas coisas para o papai, por respeito ou medo, você
recua. Não se culpe por se recuar. Temos nossas limitações. Não é covardia você
não o enfrentar. Você é uma criança e eles são dois adultos que precisam se
entender e se respeitar. ” “Mas, Fabíola, você pode conversar com meus pais?
Você pode ajudá-los. Por favor? “
Cintia quer
ajuda e deseja ajudar. Respondi que vou marcar um horário com os pais. Que vou
sim conversar com eles e mostrar a dor que provocaram na filha. E, se
aceitarem, ajudá-los a entender a importância de uma harmonia conjugal e
familiar. Tudo pode ser dito e resolvido com ternura e amor. Atos agressivos só
minam as relações. Crianças estão expostas a situações cotidianas que causam
muita dor. Temos que nos cuidar muito com o exemplo que oferecemos.
Na próxima
semana, conto como foi o encontro com os pais. Desejo muito que Cintia entenda
toda essa situação de uma forma que não lhe gere consequências e sim
aprendizados.
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