“Eu
não sou mais virgem”
Fabiola
Sperandio Teixeira
Pedagoga-
Psicopedagoga
Terapeuta de
Família e Casais
Uma
garotinha de 12 anos. Apenas 12 anos... Classe social elevada, família
religiosa, participa de um grupo de jovens, faz um curso para aquisição de uma
segunda língua, matriculada em uma escola de referência. Por que estou
relatando tudo isso? Porque o preconceito aponta que essa situação só ocorre em
uma classe social desfavorecida, em um lar desajustado.
A garotinha, para mim, uma criança, chega até o meu
consultório com o nariz empinado, uma fala arrogante e um olhar desafiador.
Fico observando essa postura e procurando entender o que há por trás. O fato
narrado da perda da virgindade é a consequência, me interesso pela causa. O que
levou essa criança a ter uma experiência sexual tão jovem e ainda anunciar a
todos que convivem com ela? Esse era meu foco.
Sentada a minha frente, ela parecia ironizar toda a situação.
Olhava-me como se eu fosse me tornar mais uma vítima do seu comportamento
desrespeitoso. Ela queria me chocar, como fez com todos. Eu não estava chocada.
Eu estava curiosa e com desejo de ajudá-la.
Comecei pedindo para que ela falasse como se vê, que me
apresentasse isso. Disse a ela que o que ela fez, eu já sabia. Que não me
interessava a princípio. Que ali eu queria conhecê-la. Ela me fitou com o
olhar. Parecia incrédula de que eu não queria cutuca-la sobre detalhes da sua
vivência sexual. Percebi que a desmontei. Pensei: “É agora! Peguei você!”
Melissa (nome fictício) começou a me contar sobre o que
ela fazia. Narrava a sua rotina de vida. Não conseguia dizer quem era ela, do
que gostava, do que se interessava, como se via no seio familiar. Só repetia a
rotina exaustiva em que estava inserida. Quase todas as obrigações diárias
impostas pela família.
Ouvi atentamente e provoquei. “Melissa, você só soube me
contar o que faz. Quero saber quem é você aí dentro. Fale de seus sentimentos
para mim. Fale da sua convivência, daquilo que é importante para você.” Um
choro compulsivo tomou conta dela. A menina arrogante saiu e chegou a menina
frágil. Sua postura altiva foi dando lugar à posição fetal. Ela ia se
encolhendo a minha frente.
Aproximei-me dela. Abri os braços. Ela se encaixou no meu
peito. Passando as mãos em seus cabelos, eu disse a ela que não estava ali para
julgá-la, mas para ajudá-la. Melissa chorava, sofrida.
Após alguns minutos de colo, retomei a minha condução.
Mostrei a ela que, de verdade, me interessava pela pessoa dela. Ela foi se
entregando. Narrou seus sentimentos mais profundos. Uma carência
impressionante. Uma raiva da vida e de todos, de assustar. Como uma criança de
12 anos poderia ter no peito tanta dor e revolta?
Percebi que era exatamente por não ter direito de ser
criança. Essa menina esguia, de cabelos longos e brilhantes, era vestida desde
pequena com roupas além da idade dela. A família se orgulhava com tamanha
beleza e a motivava a ser sempre além da idade. Não só através das vestes, mas
também pela agenda de miniadulta. As projeções eram muitas. A família não
percebia que estava pulando etapas e “massacrando” essa criança, que se via
obrigada a corresponder.
Melissa, cansada de tudo isso, inconscientemente, deu o
troco. Sua revolta culminou em castigar essa família. Porém a castigada foi
ela. Melissa sofria. Não conseguia lidar com os sentimentos oriundos da
iniciação precoce da vida sexual.
Procurei esvaziar suas dores. Deixe que ela falasse de
tudo e perguntasse o que quisesse. Mostrei a ela que agora ela precisava de
ajuda. Falamos sobre o dia que, segundo ela, “deu para o primo”. Era um corpo
de princesa, com a linguagem chula. Uma doce menina perdida entre sua vida de
experiências precoces.
A família estava na recepção. Os pais choravam e tinham
um olhar raivoso. Pedi que entrassem. Melissa foi ao banheiro se recompor.
Conversamos sobre o ocorrido. Mostrei para família que precisávamos rever
rotinas e cuidar física e emocionalmente dela.
Os pais só pensavam em prendê-la em casa, castigá-la.
Pontuei que o que aconteceu foi na casa deles. Que não era prendendo ou
castigando que evitariam. Precisavam aprender a escutar e amar. Que agora era
acolher e orientar.
Melissa retornou. Olhou os pais e baixou os olhos. Uma
postura bem diferente de quando chegou. O pai não a olhou. Estava possesso e
assustado. A mãe chorou, mas não a acolheu. Eu estendi a mão e a puxei para um abraço.
Fizemos alguns combinados. Melissa aceitou todos. Estava sedenta por ajuda.
Terminando a sessão, despede-me de todos. A mãe pediu
para marcar o retorno. Ofereci uma data com uma semana. Melissa começou a falar
e silenciou-se. O pai olhou para ela e disse “Não tem querer, menina! Vai vir
sim!!!”. Melissa, então, disse: “Não era isso, papai. Só achei longe o dia.
Queria voltar antes”.
O pai me olhou aflito. Com meu olhar enviei uma mensagem
de compreensão à reação dele, porém de clamor por não agir mais assim. Fiz com
que todos se dessem as mãos e falei a eles: “Vamos exercitar a escuta a partir
de hoje”.
Espero que essa família reveja seus hábitos e volte o
olhar para cada um com mais proximidade e generosidade. Espero o próximo
encontro com Melissa, ansiosa por ajudá-la a retomar o seu caminho com menos
dor e mais sabedoria.
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