sexta-feira, 20 de março de 2015

A que família pertenço?




A que família pertenço?


Fabíola Sperandio Teixeira do Couto 
Pedagoga- Psicopedagoga
Terapeuta de Família e Casais

       Pedro (nome fictício) saiu correndo ao meu encontro sem fôlego: “Fabíola, preciso falar com você!”. Vendo aquele rosto suado e com olhar bem arregalado, abaixo-me a sua altura e pergunto-lhe: “O que houve com você?”
      Conduzo-o até a minha sala, ofereço-lhe um copo com água e começamos uma conversa. Pedro estava se sentindo sem família. Repetia sem parar que seus pais diziam que ele agora tinha duas famílias, mas que ele se sentia órfão. Pude entender o seu sentimento quando fui conversando e buscando informações de como era a formação “dessas duas famílias”.
    Os pais de Pedro se separaram quando ele ainda tinha 3 anos, hoje Pedro tem 12 anos. Desde então, Pedro ficou com a mãe. Nos finais de semana do pai, Pedro era buscado e passava os dois dias em programas com o pai e amigos do pai. Nos demais dias, era cuidado pela mãe.
     Acontece que Pedro é um menino muito ativo e por isso, muitas vezes sua mãe, sentindo-se cansada, entregava-o para avó materna cuidar por algumas semanas. Pedro conta que a mãe sempre pedia para avó assumi-lo, mas que a avó logo dizia: “Não dou conta desse menino! A minha parte já foi feita, criando você!”
   Entre idas e vindas para avó materna, a mãe acaba por entregar Pedro para o pai. Acontece que o pai casou-se e teve dois outros filhos. Pedro trouxe um desconforto para a nova família do pai com sua presença. A madrasta dá um ultimato para o marido, pai de Pedro, que o devolve para mãe. A mãe agora também tem um parceiro que vê Pedro como um “atrapalho” para a nova relação.
   Cansou só de ler essa confusão? Imagina o cansaço de Pedro como agente dessa história.
   Tenho visto inúmeras crianças vivenciando o drama do “pertencimento”. As tentativas de acertos dos adultos em novas relações estão, muitas vezes, fazendo de seus filhos um joguete e até produzindo sentimento de que eles são um incômodo para os seus genitores junto às novas formações familiares.
   As crianças e adolescentes passam a conviver com os novos parceiros dos pais e as novas famílias que acompanham esses parceiros.  De repente, quem tinha quatro avós, passa a ter oito: pai da mãe e mãe da mãe; pai do pai e mãe do pai; pai da madrasta e mãe da madrasta; pai do padrasto e mãe do padrasto. Depois os tios “legítimos” e os tios agregados com suas famílias. Sem falar na mistura cultural. Ufa! É muita gente!
    E mesmo com toda essa gente, ele se sente sem família. A que família ele pertence?
   Pedro, mesmo tão pequeno, conseguiu mostrar que se sente muitas vezes um estranho “nesses ninhos”. As conversas dos adultos e crianças muitas vezes parecem distantes, os costumes, nem se fala. E ele vai se encolhendo no sofá enquanto fala comigo, como se estivesse querendo retornar ao útero. Meu coração se aperta. Estico minha mão e ele a agarra. Segurando forte, ele pergunta se consigo entender que ele queria, na verdade, morar com o pai.
   Conversamos sobre a possibilidade e os caminhos para alcançar esse objetivo. Pedro sai animado e cheio de metas.
  Enquanto o vejo partir, fico pensando como devemos pensar em nossos atos quando envolvemos nossos pequenos. Como muitas vezes somos egoístas, levando a realização de uma “tal felicidade a qualquer preço” e excluímos quem um dia foi o maior motivo de alegria: o filho que nasceu.
  Claro que precisamos estar bem, mas, nessa busca de nova oportunidade, devemos ter cuidado com a inclusão dos filhos no processo. Ensinar os novos parceiros a respeitar o “que vem no pacote” (história, ex- mulher, filhos, família) é essencial.
  Não é possível ser feliz de novo, anulando o que faz parte de nós. Não é possível ser feliz  se entrar em um relacionamento, fragmentando, rejeitando uma parte. Não é possível ser feliz vendo um filho infeliz.
  Que possamos ajudar todos os “Pedros” dessa nova vida moderna. Se cada um de nós começar a entender que uma nova relação não pode “matar” a outra, teremos mais chances de inclusão em novas famílias. O pertencimento será tão natural que as crianças e adolescentes irão unir as pessoas e não se sentirem um estorvo para o novo momento dos pais. Lembrando que os adultos é que precisam conduzir. Os adultos precisam ser maduros.
  E o que aconteceu com as metas do Pedro? Bem, passaram-se algumas semanas, Pedro retorna para contar que o pai prometeu deixá-lo morar com ele depois que um “tal apartamento” ficar pronto. Pergunto se ele sabe quanto tempo levará para entrega da nova moradia. Pedro diz sem jeito: “uns três anos, mas eu vou esperar. “ Sorriu e me beijou.

  Espero que a promessa se cumpra. Não quero nem imaginar que o pai está tendo uma condução para ganhar tempo. Ele está cheio de esperança. Pedro continua com a mãe e o padrasto e comenta: “Minha avó anda muito ocupada, Fabíola. Ela está estudando, melhor assim, ela não disse que não dá conta de mim?.”  Em seguida, pisca, sorri e vai.



4 comentários:

  1. Oi Fabiola

    Olhar para as coisas simples de forma inusitada nao e uma tarefa tao facil.

    O tema discutido por voce tem levantado muitas discussoes sobre o processo de formacao humana. Afinal, quem e responsavel, quem educa, acaricia, orienta, oferece a oportunidade do sonho, estabelece objetivos e metas a serem alcancadas a "esse garoto" que se intitula "um sem familia"???
    Ainda nao havia visto nada escrito que evidenciasse tanta propriedade e emocao como vi em tuas palavras. E, partilho da mesma preocupacao.

    Parabens por lembrar de forma tao carinhosa daqueles que sao lembrados como espinhos, perdidos, peso ou estorvo aos paradigmas determinados pela nossa sociedade.
    Odair

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  2. Nossa, esse texto dá uma sensação de aperto!! Situação triste mas, infelizmente, mto comum... 😪
    Parabéns, como sempre vc consegue nos tocar profundamente! Bjo

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  3. Tenho que confessar a tristeza ao ler esse texto por ele ser tão real e tão perto de nós... perto mesmo, dentro da nossa casa às vezes.

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