A que família pertenço?
Fabíola Sperandio Teixeira do Couto
Pedagoga- Psicopedagoga
Terapeuta de Família e Casais
Pedro (nome fictício) saiu correndo ao meu
encontro sem fôlego: “Fabíola, preciso falar com você!”. Vendo aquele rosto
suado e com olhar bem arregalado, abaixo-me a sua altura e pergunto-lhe: “O que
houve com você?”
Conduzo-o até a minha sala, ofereço-lhe um
copo com água e começamos uma conversa. Pedro estava se sentindo sem família.
Repetia sem parar que seus pais diziam que ele agora tinha duas famílias, mas
que ele se sentia órfão. Pude entender o seu sentimento quando fui conversando
e buscando informações de como era a formação “dessas duas famílias”.
Os pais de Pedro se separaram quando ele
ainda tinha 3 anos, hoje Pedro tem 12 anos. Desde então, Pedro ficou com a mãe.
Nos finais de semana do pai, Pedro era buscado e passava os dois dias em
programas com o pai e amigos do pai. Nos demais dias, era cuidado pela mãe.
Acontece que Pedro é um menino muito ativo e
por isso, muitas vezes sua mãe, sentindo-se cansada, entregava-o para avó
materna cuidar por algumas semanas. Pedro conta que a mãe sempre pedia para avó
assumi-lo, mas que a avó logo dizia: “Não dou conta desse menino! A minha parte
já foi feita, criando você!”
Entre idas e vindas para avó materna, a mãe
acaba por entregar Pedro para o pai. Acontece que o pai casou-se e teve dois
outros filhos. Pedro trouxe um desconforto para a nova família do pai com sua
presença. A madrasta dá um ultimato para o marido, pai de Pedro, que o devolve
para mãe. A mãe agora também tem um parceiro que vê Pedro como um “atrapalho”
para a nova relação.
Cansou só de ler essa confusão? Imagina o
cansaço de Pedro como agente dessa história.
Tenho visto inúmeras crianças vivenciando o
drama do “pertencimento”. As tentativas de acertos dos adultos em novas
relações estão, muitas vezes, fazendo de seus filhos um joguete e até
produzindo sentimento de que eles são um incômodo para os seus genitores junto
às novas formações familiares.
As crianças e adolescentes passam a conviver
com os novos parceiros dos pais e as novas famílias que acompanham esses parceiros.
De repente, quem tinha quatro avós, passa a ter oito: pai da mãe e mãe da
mãe; pai do pai e mãe do pai; pai da madrasta e mãe da madrasta; pai do
padrasto e mãe do padrasto. Depois os tios “legítimos” e os tios agregados com
suas famílias. Sem falar na mistura cultural. Ufa! É muita gente!
E mesmo com toda essa gente, ele se sente sem
família. A que família ele pertence?
Pedro, mesmo tão pequeno, conseguiu mostrar
que se sente muitas vezes um estranho “nesses ninhos”. As conversas dos adultos
e crianças muitas vezes parecem distantes, os costumes, nem se fala. E ele vai
se encolhendo no sofá enquanto fala comigo, como se estivesse querendo retornar
ao útero. Meu coração se aperta. Estico minha mão e ele a agarra. Segurando
forte, ele pergunta se consigo entender que ele queria, na verdade, morar com o
pai.
Conversamos sobre a possibilidade e os
caminhos para alcançar esse objetivo. Pedro sai animado e cheio de metas.
Enquanto o vejo partir, fico pensando como
devemos pensar em nossos atos quando envolvemos nossos pequenos. Como muitas
vezes somos egoístas, levando a realização de uma “tal felicidade a qualquer
preço” e excluímos quem um dia foi o maior motivo de alegria: o filho que
nasceu.
Claro que precisamos estar bem, mas, nessa
busca de nova oportunidade, devemos ter cuidado com a inclusão dos filhos no
processo. Ensinar os novos parceiros a respeitar o “que vem no pacote” (história,
ex- mulher, filhos, família) é essencial.
Não é possível ser feliz de novo, anulando o
que faz parte de nós. Não é possível ser feliz se entrar em um
relacionamento, fragmentando, rejeitando uma parte. Não é possível ser feliz
vendo um filho infeliz.
Que possamos ajudar todos os “Pedros” dessa
nova vida moderna. Se cada um de nós começar a entender que uma nova relação
não pode “matar” a outra, teremos mais chances de inclusão em novas famílias. O
pertencimento será tão natural que as crianças e adolescentes irão unir as
pessoas e não se sentirem um estorvo para o novo momento dos pais. Lembrando
que os adultos é que precisam conduzir. Os adultos precisam ser maduros.
E o que aconteceu com as metas do Pedro? Bem,
passaram-se algumas semanas, Pedro retorna para contar que o pai prometeu deixá-lo
morar com ele depois que um “tal apartamento” ficar pronto. Pergunto se ele
sabe quanto tempo levará para entrega da nova moradia. Pedro diz sem jeito:
“uns três anos, mas eu vou esperar. “ Sorriu e me beijou.
Espero que a promessa se cumpra. Não quero
nem imaginar que o pai está tendo uma condução para ganhar tempo. Ele está
cheio de esperança. Pedro continua com a mãe e o padrasto e comenta: “Minha avó
anda muito ocupada, Fabíola. Ela está estudando, melhor assim, ela não disse
que não dá conta de mim?.” Em seguida, pisca, sorri e vai.
Oi Fabiola
ResponderExcluirOlhar para as coisas simples de forma inusitada nao e uma tarefa tao facil.
O tema discutido por voce tem levantado muitas discussoes sobre o processo de formacao humana. Afinal, quem e responsavel, quem educa, acaricia, orienta, oferece a oportunidade do sonho, estabelece objetivos e metas a serem alcancadas a "esse garoto" que se intitula "um sem familia"???
Ainda nao havia visto nada escrito que evidenciasse tanta propriedade e emocao como vi em tuas palavras. E, partilho da mesma preocupacao.
Parabens por lembrar de forma tao carinhosa daqueles que sao lembrados como espinhos, perdidos, peso ou estorvo aos paradigmas determinados pela nossa sociedade.
Odair
Nossa, esse texto dá uma sensação de aperto!! Situação triste mas, infelizmente, mto comum... 😪
ResponderExcluirParabéns, como sempre vc consegue nos tocar profundamente! Bjo
Obrigada, Odair!
ResponderExcluirObrigada, Larissa!
Tenho que confessar a tristeza ao ler esse texto por ele ser tão real e tão perto de nós... perto mesmo, dentro da nossa casa às vezes.
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