sexta-feira, 27 de março de 2015
sexta-feira, 20 de março de 2015
A que família pertenço?
A que família pertenço?
Fabíola Sperandio Teixeira do Couto
Pedagoga- Psicopedagoga
Terapeuta de Família e Casais
Pedro (nome fictício) saiu correndo ao meu
encontro sem fôlego: “Fabíola, preciso falar com você!”. Vendo aquele rosto
suado e com olhar bem arregalado, abaixo-me a sua altura e pergunto-lhe: “O que
houve com você?”
Conduzo-o até a minha sala, ofereço-lhe um
copo com água e começamos uma conversa. Pedro estava se sentindo sem família.
Repetia sem parar que seus pais diziam que ele agora tinha duas famílias, mas
que ele se sentia órfão. Pude entender o seu sentimento quando fui conversando
e buscando informações de como era a formação “dessas duas famílias”.
Os pais de Pedro se separaram quando ele
ainda tinha 3 anos, hoje Pedro tem 12 anos. Desde então, Pedro ficou com a mãe.
Nos finais de semana do pai, Pedro era buscado e passava os dois dias em
programas com o pai e amigos do pai. Nos demais dias, era cuidado pela mãe.
Acontece que Pedro é um menino muito ativo e
por isso, muitas vezes sua mãe, sentindo-se cansada, entregava-o para avó
materna cuidar por algumas semanas. Pedro conta que a mãe sempre pedia para avó
assumi-lo, mas que a avó logo dizia: “Não dou conta desse menino! A minha parte
já foi feita, criando você!”
Entre idas e vindas para avó materna, a mãe
acaba por entregar Pedro para o pai. Acontece que o pai casou-se e teve dois
outros filhos. Pedro trouxe um desconforto para a nova família do pai com sua
presença. A madrasta dá um ultimato para o marido, pai de Pedro, que o devolve
para mãe. A mãe agora também tem um parceiro que vê Pedro como um “atrapalho”
para a nova relação.
Cansou só de ler essa confusão? Imagina o
cansaço de Pedro como agente dessa história.
Tenho visto inúmeras crianças vivenciando o
drama do “pertencimento”. As tentativas de acertos dos adultos em novas
relações estão, muitas vezes, fazendo de seus filhos um joguete e até
produzindo sentimento de que eles são um incômodo para os seus genitores junto
às novas formações familiares.
As crianças e adolescentes passam a conviver
com os novos parceiros dos pais e as novas famílias que acompanham esses parceiros.
De repente, quem tinha quatro avós, passa a ter oito: pai da mãe e mãe da
mãe; pai do pai e mãe do pai; pai da madrasta e mãe da madrasta; pai do
padrasto e mãe do padrasto. Depois os tios “legítimos” e os tios agregados com
suas famílias. Sem falar na mistura cultural. Ufa! É muita gente!
E mesmo com toda essa gente, ele se sente sem
família. A que família ele pertence?
Pedro, mesmo tão pequeno, conseguiu mostrar
que se sente muitas vezes um estranho “nesses ninhos”. As conversas dos adultos
e crianças muitas vezes parecem distantes, os costumes, nem se fala. E ele vai
se encolhendo no sofá enquanto fala comigo, como se estivesse querendo retornar
ao útero. Meu coração se aperta. Estico minha mão e ele a agarra. Segurando
forte, ele pergunta se consigo entender que ele queria, na verdade, morar com o
pai.
Conversamos sobre a possibilidade e os
caminhos para alcançar esse objetivo. Pedro sai animado e cheio de metas.
Enquanto o vejo partir, fico pensando como
devemos pensar em nossos atos quando envolvemos nossos pequenos. Como muitas
vezes somos egoístas, levando a realização de uma “tal felicidade a qualquer
preço” e excluímos quem um dia foi o maior motivo de alegria: o filho que
nasceu.
Claro que precisamos estar bem, mas, nessa
busca de nova oportunidade, devemos ter cuidado com a inclusão dos filhos no
processo. Ensinar os novos parceiros a respeitar o “que vem no pacote” (história,
ex- mulher, filhos, família) é essencial.
Não é possível ser feliz de novo, anulando o
que faz parte de nós. Não é possível ser feliz se entrar em um
relacionamento, fragmentando, rejeitando uma parte. Não é possível ser feliz
vendo um filho infeliz.
Que possamos ajudar todos os “Pedros” dessa
nova vida moderna. Se cada um de nós começar a entender que uma nova relação
não pode “matar” a outra, teremos mais chances de inclusão em novas famílias. O
pertencimento será tão natural que as crianças e adolescentes irão unir as
pessoas e não se sentirem um estorvo para o novo momento dos pais. Lembrando
que os adultos é que precisam conduzir. Os adultos precisam ser maduros.
E o que aconteceu com as metas do Pedro? Bem,
passaram-se algumas semanas, Pedro retorna para contar que o pai prometeu deixá-lo
morar com ele depois que um “tal apartamento” ficar pronto. Pergunto se ele
sabe quanto tempo levará para entrega da nova moradia. Pedro diz sem jeito:
“uns três anos, mas eu vou esperar. “ Sorriu e me beijou.
Espero que a promessa se cumpra. Não quero
nem imaginar que o pai está tendo uma condução para ganhar tempo. Ele está
cheio de esperança. Pedro continua com a mãe e o padrasto e comenta: “Minha avó
anda muito ocupada, Fabíola. Ela está estudando, melhor assim, ela não disse
que não dá conta de mim?.” Em seguida, pisca, sorri e vai.
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